20060324 |
morto. nada mais há a fazer. por mais que lute, é como tentar remar contra a maré. o meu corpo nega-se, mas a minha mente já se conformou. estou morto. não é por ainda palpitar o meu coração, por ainda funcionarem os meus pulmões, que me faz sentir a vida como uma pessoa normal. os meus sentidos estão dopados, as minhas ideias esfumaram-se; sou um autómato que apenas respira, inactivo, sem vontade própria. a vida cuspiu-me para este buraco para morrer, primeiro triturando a minha mente, depois apodrecendo o meu corpo. porquê viver assim?
rabiscado na parede, ao lado de outros 0 gatafunhos.anseio pela vinda da senhora de negro. quase imploro por isso... que ela acabe com a minha agonia. que me importa que me metam nas penas infernais? estou farto deste buraco, desta tortura, desta cela fria e húmida, de paredes decoradas a sangue e tinta preta. ao menos... bom, ao menos lá faz calor. |
20060318 |
silêncio. a quietude neste buraco é enervante. passo dias e dias sem ouvir resquício do que quer que seja. nem passos, nem uma palavra perdida, nem o zumbir de uma mosca... nada. a princípio, fez-me impressão: cheguei a pensar que tinha ficado surdo. agora? já nem noto a diferença.
rabiscado na parede, ao lado de outros 0 gatafunhos.mas também é verdade que, antes de ser enclausurado neste buraco, me havia de certo modo habituado ao silêncio. sempre vivi como um anacoreta, afastando-me das gentes porque não me dava bem com elas, votanto-me ao isolamento porque me era difícil lidar com elas, entender os seus caprichos, as suas vaidades, as suas teimosias. até que um dia... aconteceu. fui isolado. separado. arrecadado. já não sei porquê. ninguém sabe porquê. todos os que se davam comigo e de quem me afastei desapareceram. definitivamente. e o silêncio invadiu a minha vida. a minha voz já não se ouve. e agora, espero que a minha alma se silencie também. talvez demore muito. talvez seja rápido. que importa? estou fechado e ninguém mais saberá de mim. ninguém mais ouvirá a minha voz. in perpetuum. |
20060307 |
doença. de onde vens? porque vieste? quem te chamou? porque me atacaste? nunca te quis por cá... ninguém me procura. ninguém me vem ver. mas tu vieste. e ficaste. não te quero aqui. comigo. vai-te.
rabiscado na parede, ao lado de outros 0 gatafunhos.já os antigos diziam que "mais vale só que mal-acompanhado". e tu és má companhia. a minha fraqueza já é muita, não precisava de ti aqui. não precisava de ter os pulmões cheios de muco. não precisava de tossir constantemente. não precisava de sentir como se me tivessem esfaqueado a garganta. não precisava de ter febre. mas aconteceu. tu fizeste-o acontecer. e, infelizmente, se te mandar embora, tu não vais. e, se fores, deixarás os teus estragos em mim. por mais que tente, não consigo arrancar o muco que me cobre os pulmões. muco que lá meteste, apenas para teu gozo pessoal. olhas para mim, febril e mucoso, e ris-te. sentes um prazer mórbido da minha fraqueza. e, por mais que lute contra os teus agentes, não os consigo vencer. permaneço aqui, encolhido no meu canto, comatoso, refém do meu próprio corpo inútil. estou farto de ti. vai-te embora, e leva as tuas amiguinhas contigo. odeio-te. |
companheiros de cela.
apenas o meu encarcerador
créditos.
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parede.
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